Dos Poemas de SALOMÃO ROVEDO e das Imagens de SIGUR ROS
"O amor nunca pode ser
bonito desse jeito..."
Ana Maria Pedreira
"Sussurrante e soluçante,
como quem corta os pulsos.
Um trespassar de cores,
policromática miragem
do mais moderno tecnicolor,
O amor é esmaecido ou é
intenso, quando não se está
pensando nele – e tudo está bem.
O amor é lúbrico e déspota,
quando não se está fumando
– e tudo vai bem.
O amor é lírico e obsceno,
quando não se está bebendo,
– e se sente bem.
O amor é fatal e suicida,
quando não se cheira coca
– e todos, todos são bons.
derrama algum sangue,
impossível de registrar.
"E se quiseres, lembra-te;
Se quiseres, esquece."
Christina Rosseti
"Toda casa tem um passado.
Das janelas vislumbra-se as ruas.
É nas ruas que a vida perpassa.
Dentro da casa – móveis mortos.
Dentro da casa – fantasmas circulando
Dentro da casa esboroam ficção e sonho.
– É bom ficar atento!
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“Fomos o frágil perdão e castigo,
um pouco do ser homem e mulher.”
Xênia Antunes
"Está próximo, bem próximo,
o lado inumano e humano
do mistério feérico.
Um microssinal, sublimado,
acende sensações latentes
e todo o ser estrala.
Desperta para o impasse,
o entrave de dúvidas,
questões inamovíveis.
A simples constatação de que
em nós perdura o rotundo,
– o inexplicável nada."
4
“É chegar e ao mesmo tempo ouvir,
saber entregar-se e chegar
mesmo tendo sempre que partir”.
Solange Sileikis
"Estrela-guia permite ao poeta
a magia da distância.
Permite ao amado
esse viver amado,
quase sempre adoidado
à distância.
Estrela-guia concede ao Nauta
o dom de estar no deserto
e longe te ver.
Permite ao cantor
sorver a luminosidade
distantes bilhões anos-luz.
Estrela-guia entrega ao errante
o menor amor, polígamo,
onírico, monógamo.
Permite ao solidário
sempre, eternamente,
a esperança,
sozinha e distante.
Estrela-guia devota ao Argonauta
o calor do aconchego:
para que não sofra
a decepção da frialdade.
Permite que pise teu solo
e não o desértico
solo da Lua, de Marte,
de Vênus, de Sírio.
2
“Um sol que vertia sangue
sobre o monte...”
Suzana Vargas
"Manhã suspiro, manhã vã, manhã
– em suicídios despedaço.
Dia ido, dia perdido, dia falido
– em fluidos me desiludo.
Tarde orca, arde tarde, tarde morta
– em compotas, desditosa.
Sol morto, sol posto, sol baço
– em pedaços, desperdício.
Noite lenta, asquerosa, gosmenta
– entre lençóis de cetim...
Madrugada alada, alva parada
– em chumbo desesperançado.
De manhã eu piro em vão, amanhã
– em suicídios de bala de aço.
2
“Venho sistematicamente
me estraçalhando
nos vidros da janela.”
Many Tabacinik
"Pouco mais que isso: poesia
de cortar os pulsos sem comoção.
Um canto mais deprimente
que heroína, mas que fala de amor.
A vida perfeitamente enojada:
viver parece nunca ter fim.
Na ausência ou na existência,
que importa? Desiludidamente.
É que depois a solidão torna
tudo demais pós-comoção.
Quem está pronto para ter o coração
partido de tristeza ainda mais?
A vida é um longo caminho
perdido entre poeira e asfalto.
Quem vai crucificar o sentimento
– esse podre coração de aço?
Quando se é jovem para sempre
toda vida é uma canção injusta."
3
“El alma vuela y vuela.”
Nicolás Guillén
"Pega minhas mãos frias e beija.
Meu peito sem hálito acaricia.
Fixa meus olhos baços lacrimejantes.
Exaure-me todo, toda a resistência.
Totalmente desequilibrado em pênsil arame.
Deforma-me com tuas mãos quentes de barro.
Quebra-me os ossos, guarda-os para ti.
Elabora um brinquedo desmontável.
Traz o brilho nauseante dos teus olhos.
Baixa minhas pálpebras deslustradas.
Apaga minha penúltima Luz!”
7
“Uma doce canção,
um beijo entra em mim
e dói meu coração.”
Claudia Pequeno
"Dizem que o coração não dói.
Imagino-o um feixe de músculo louco
movido a sangue que rega, bombeia,
contínua, tresloucadamente, o corpo todo.
E dói. Neste exato momento sinto
o pulmão imprensá-lo com seu fole
monstruoso contra algo – e esse terror
me tira o fôlego. Dói que nem respiro.
Sequer posso raciocinar com essa dor
que impede de deitar em decúbito:
Sento na poltrona e algum conforto
me diz que essa posição o agrada.
Mas o coração ainda dói e faz-me ver
os problemas, está me comunicando
as mil dificuldades que tem para cumprir
a função milagrosa de me manter vivo.
Semelha muito motor de velhos carros,
sofrendo encanecido para subir ladeiras
– geme, fumega, freme. E como dói,
parece me passar um recado clemente:
– Estou mal, diz choramingando, vou parar
a qualquer momento inexato, sem aviso.
Coração não mata (dizem), a morte advém
com o fim da atividade cerebral. Pois bem.
Que importa? Meu coração seguramente dói:
e quando cansado decidir parar de uma vez,
nem precisa dar sinal ou Aviso Prévio:
com ele irei também solenemente. De dor.”
8
“Senti no impulso de abrir os olhos o temor de
encontrar os dela.”
Bruna Lombardi
"Antes da travessia houvera o bom Deus
ceder-me uma vez só
o prazer de despertar a teu lado.
Uma vez só – não mais – deixa-me
exercitar o direito que o tempo
úbere despejou sobre nós dois.
Quando o dia inda plúmbeo
invadir de sombra gris
tua pele de areia e vier
turvar os lençóis alvos,
um dia só – nem mais,
queria a teu lado acordar,
ouvindo teu ressonar morno,
pacífico, amante, a suspirar sonhos.
Queria uma só vez aspirar
do teu corpo algáceo
o perfume de água do mar
nas manhãs de inverno.”
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“estar assim,
de ponta a ponta esvaziado, quieto,
sem derrota de amor e de abandono.”
Vito Pentagna
"Viver sozinho é bom. Muito bom.
Desde que se viva longe da solidão.
Não. A solidão não é má companheira.
É boa a solidão sozinha.
É por causa das duas ânsias
de viver: Do jovem, quando
a vida se aproxima com
a velocidade da luz.
Do outro, para o qual ela
(senão a vida mesma),
vai se desfazendo passado,
ano-luz de velocidade.
O mundo está acabando?
Que se acabe o mundo!
– Estou infeliz...
A felicidade onde está?
Que se dane a felicidade!
– Estou na curva do oceano...
Abraçado à paixão,
não quero dela despojar-me.
Jamais. Lo que pasa es que
el mundo está borracho.”
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“O controlador dos universos
deu-me o dom da vida.”
Márcio Catunda
"É como quero – faço o mundo.
É como faço – quero-o assim:
Aqui e agora, nem ontem,
quente e amigo, sem amanhã.
Frio e com a aspereza do aço.
O universo é salada de alface:
Limão, tomate, cebola e alho pisado.
E azeite bastante, como tu fazes.”
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“A tua ausência é um abismo
à beira do qual a minha vida se debruça.”
Márcio Catunda
"Quanta senda tem teu corpo?
Quero saber por inteiro,
Desvendar o teu mistério,
Quero ser teu cavaleiro.
Quanta sarda tem tua pele?
Quero contar em anos-luz,
Navegar o teu espaço,
Espaçonavegar entre asteróides.
Quanta fenda tem teu corpo?
Quero mapear desfiladeiros,
Regressando àquele porto,
Enseado em teu regaço."
20
“Sálvenme de una vez
O dispárenme un tiro en la nuca.
No me gusta mirarme
En los espejos salpicados de sangre.”
Nicanor Parra
"Sim, crava as lupinas garras, em beijo
cinematográfico, mutila-me a face
e inunda de sangue tua sedenta goela.
Deixa escorrer, depois, o rubro mel
entre os lábios gelados, inquietantes,
horrendos, alucinantes, surrealistas.
Mas, para alcançar a salvação externa,
minha rainha, desiluso exijo explicação
pura sobre algumas doidas loucuras:
– Por que perder o ambicionado tesouro?
– E nos fazer gozar o desprazer antecipado?
– Por que possuir o amor indesejado?
– E nos fazer livres para o proibido?
(São clamores de magos e pajés
que não consigo compreender).
? (23)
O Admirado respondeu: a propriedade refere-se à ocupação do vazio.
At the end of the Rainbow - Cowboy Junkies
"Again,
At the end of the rainbow
Again,
No gold to be found
Just this cold unmade bed
The last 3 words you said
And this buzzing on
the telephone line
Paris, well, there is
fog on the Seine
Amsterdam still courses
through my veins
All these dark crazy sights,
Wouldn't be so bad
If I could just taste your
breath once again
Honey I saw your daddy
Lying by the roadside
His feet sticking out of a sack
Honey they'll be calling
To tell you that your daddy
Never will be coming back
Again
At the end of the rainbow
Again,
No words to be found
Just this voice sad and alone
Me wishing I was home
And the silence on the
telephone line"
(in)corpóreo
Flor indecisa com um
sorriso rubro escondido
Entro mil vezes lento para te ler
e outras mil vezes invisível
capaz de te apanhar
Nalgumas deito-me no soalho (não) sereno
E escuto o silêncio do corredor
Noutras percorro-o corajosamente
E roubo-te um beijo que generosamente me ofereceste.
Imagem: How Fortunate The Man - GreyVision