Morreste-me

"Anda cá ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim. E oiço o eco da tua voz, da tua voz que nunca mais poderei
ouvir." (José Luís Peixoto).


(Eugene Green - Les Signes)

Só parece que estás morto: o teu significante cobre-me nesta troca de lugar

Palma de ti ou Saudade de ti: das sagradas viagens simbólicas enquanto purificação
Mistério gémeo ganho em cada passo dado pelo(s) espaço(s)
Onde as estruturas foram e serão belas, orgânicas e divinas
Porque agora és tu o meu anjo
Cada quase-pensamento aproxima-nos da imortalidade
E a palma ou a saudade torna-se infinita como a alma do (teu) coração

Guarda-me bem como guardei as tuas palavras e agora transformo o sujeito
Abraça-me forte a cada onda escura que apareça ao contrário dos teus olhos
Como homem, continuo puro naquilo que conheço e dou graças por te ter (tido)
Diz-me sempre: que sonharei: como vai a onda ou a luz que te olha e regressa sempre com o teu nome na boca?

Aquilo para que a utopia tende não se decide em termos de julgamento, exatidão ou adequação empírica, mas como um feito particular da conjunção do sujeito, do corpo e do significante.
Mesmo agora eu sou matéria e tu espírito e abraçamo-nos forte como certas ondas que te aproximam da beleza do dom que não tem preço.

(Ao Zé)




















(Imagem: Lourdes Castro)

canção de infância

"Quando a criança era criança andava e balouçava os braços.
Queria que o regato fosse um rio, o rio uma corrente e esta poça o mar. Quando a criança era criança não sabia que era criança. Tudo estava cheio de vida, e a vida era uma só vida. Quando a criança era criança não tinha opiniões sobre nada. Não tinha vícios. Sentava-se com as pernas cruzadas e de súbito desatava a correr, tinha um remoinho no cabelo e não fazia caretas quando a fotografavam. 
Quando a criança era criança era o tempo destas perguntas: Porque sou eu e não sou tu? Porque estou aqui, e não aí? Quando começou o tempo, e quando acaba o espaço? A vida debaixo do sol é apenas um sonho? Isto que eu vejo, ouço e cheiro é apenas uma ilusão ou o mundo defronte do mundo? O mal existe mesmo,ou são as pessoas que são más? Como se explica que eu, que sou eu,não existisse antes de existir,e que um dia este que eu sou não seja mais este que sou hoje?
 Quando a criança era criança engasgava-se com espinafres, ervilhas, arroz doce e couve-flor e agora come isso tudo e não apenas porque tem de comer.
Quando a criança era criança acordou uma vez numa cama estranha e agora também acorda algumas vezes. Achava muitas pessoas bonitas e agora acha apenas algumas, poucas.Tinha uma ideia exacta do Paraíso e agora mal o imagina. Não concebia o nada e agora estremece com a sua ideia. 
Quando a criança era criança brincava com entusiasmo e agora fica igualmente excitada mas só quando se trata da sua profissão. Quando a criança era criança as uvas caíam nas suas mãos como só as uvas ainda caem hoje. As avelãs faziam-lhe aftas na língua e ainda fazem. No cimo de cada montanha desejava uma montanha mais alta. E em cada cidade desejava uma cidade maior.E ainda é assim.
Chegava às cerejas no topo das cerejeiras com a mesma exaltação que sente hoje.Era tímida com os estranhos e ainda é. Esperava a primeira neve e ainda espera. Quando a criança era criança atirou um pau a uma árvore como se fosse uma lança e essa lança ainda oscila na árvore agora."
(Peter Handke)

documentário a sério


Quem canta seus males espanta from Tiago Pereira on Vimeo.

Estás vivo parece: que o mar te cubra só as mãos para pesar o sal

"Tudo comunica: gatos, cão, plantas, ser-humano. Presença não-humana. Tudo se aprende. Para os caminhantes da Noite, nada é incompreensível.

Deus é um texto infinito.

O universo inteiro é como um sopro suspenso.

As palavras são lâminas de dois gumes, é falar e sujar-se (Adélia Prado).

Decidir falar, rezar é arriscar-se, das linhas do corpo às linhas do caderno em que jaz a escrita expectante.

Como coreografar o devir de um corpo ou a sua entrada na doença? Toda a coreografia comporta um enlouquecimento do corpo (D. Sibony).

Compor um lugar no corpo doente para que Deus nele entre. A morte dar-lhe-á o nascimento que lhe falta. Estranha doença que a mística dança. Há o devir Deus do corpo, o devir humano de Deus e sobretudo a efusão mútua. Corpo a corpo com Deus: desincarnar o corpo para incarnar Deus. Incendiar o corpo, despojá-lo da sua ganga para o encontro.

A crença na existência de outros seres humanos como tais, é o amor.

Escuta-me, a fim de que eu me torne em ti o que eu sou para mim próprio."

(José A. Mourão)

Poeta en Nueva York

"Yo, poeta sin brazos, perdido
entre la multitud que vomita,
sin caballo efusivo que corte
los espesos musgos de mis sienes.
(…)

Quiero llorar diciendo mi nombre,
rosa, niño y abeto a la orilla de este lago,
para decir mi verdad de hombre de sangre
matando en mí la burla y la sugestión del vocablo.

No, no. Yo no pregunto, yo deseo.
Voz mía libertada que me lames las manos.
En el laberinto de biombos es mi desnudo el que recibe
la luna de castigo y el reloj encenizado."
(Federico García Lorca)



O Esfolado

"Para encontrar a textura da madeira (se não se for marceneiro) basta pregar um prego e ver se este se enterra bem. Para localizar os meus pontos fracos, existe um instrumento que se assemelha a um prego: é o escárnio: suporto-o mal. O Imaginário é, com efeito, uma matéria séria (nada tem a ver com o «espírito sério»: o apaixonado não é homem de boa consciência): a criança que está na lua (o lunático) não é jogador; eu estou, do mesmo modo, fechado ao jogo: não só porque o jogo corre sem cessar o risco de aflorar algum dos meus pontos fracos mas também porque o que diverte o mundo me parece sinistro; não é possível importunar-me sem correr riscos: legível, susceptível? - Antes delicado, penetrável como a textura de certas madeiras."
(Barthes)

Sê uma fonte de esperança

"Aconteça o que acontecer
Nunca percas a esperança!
Desenvolve o teu coração.
No teu país, demasiada energia
É consagrada a cultivar a mente.
Sê uma fonte de compaixão,
Não só para os teus amigos,
Mas para toda a gente.
Sê uma fonte de compaixão.
Trabalha para a paz.
E repito-te,
Nunca percas a esperança,
Aconteça o que acontecer
Aconteça o que acontecer à tua volta
Nunca percas a esperança!"

(Dalai Lama)