três exercícios dramatúrgicos

? (24)

O Admirador só ouve o balbucio do silêncio quando o Admirado baloiça sobre a onda.

Ella Fitzgerald - Someone To Watch Over Me

arte...

" A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos — vis porque são nossos e vis porque são vis.

O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono, e drogas tem cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela.

O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele.

Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja nosso — o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objectivo.

Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência."

(Bernardo Soares)

(Gerhard Richter - Firenze Edition)

reinício

Este reinício é uma homenagem àqueles que visitam este espaço e aos que o julgaram morto! Não foram férias, nem preguiça, mas uma incontestável realidade.

Não haveria melhor forma de o retomar - aviso que com muito menor frequência, mas com a pretensão de continuar um sítio de interesse para vocês - com o texto abaixo da minha sobrinha: que tanto me surpreendeu e me ilustrou!

"Realizo certos actos inconscientemente, prova disso é o facto de por vezes me deparar a fixar o reflexo do espelho. Nele vejo a minha ''máscara'', aquela que esconde quem realmente sou. Por vezes interrogo-me de certas acções mas quando acordo e vejo o mundo que me rodeia vejo que é só um mero exemplo da realidade, pois sinto-me tão ofuscada com os meus sonhos que nem à realidade consigo ligar! E infelizmente, é assim que a vida nos vai passando! Mas eu acredito que a insanidade que me corre no sangue é o meu sonho. É, e baseia-se no meu sonho. Todavia, apesar dos meus defeitos, espero um dia construir a minha própria ''história de encantar'', mas sobretudo, espero não morrer sem ser mais do que sou agora. Tudo o que construí e que vou continuar a construir, devo-te apesar desta distância, o sentimento não muda. Ao longo destes (quase) dezasseis anos aprendi tanta coisa contigo, como por exemplo, que se tiver que gritar grito, se me apetecer chorar choro, pois jamais andarei de autocarro se puder andar de avião. Jamais ficarei calada se puder falar, não me vou contentar com o mínimo quando posso ter muito mais. E sim só te tenho a agradecer padrinho! Um grande beijinho *"

Obrigado Joana, muito obrigado.

a recordação é como a escrita, sem ela só há uma grande depressão.

e como não há imaginação sem experiência: sorrio à vontade de criar sobre o passado.

posso construir algumas rugas para além das que o tempo me der, mas a visão do edifício à distância é sempre belo.

o texto, a imagem ou a sugestão do som, são apenas coisas muito pequenas, ícones mutáveis, no rosto do receptor.

as coisas grandes comem-nos pelo deslumbramento.

prefiro criar relações que são anteriores à identidade.

prefiro um rosto silencioso e por vezes distante porque pode ser mais comunicante.

(2046; Kar Wai Wong)

"The plan it wasn't much of a plan
I just started walking
I had enough of this old town
had nothing else to do
It was one of those nights
you wonder how nobody died
we started talking
You didn't come here to have fun
you said: "well I just came for you"
But do you still love me?
do you feel the same
Do I have a chance
of doing that old dance
with someone I've been
pushing away

And touch we touched the soul
the very soul, the soul of what we were then
With the old schemes of shattered dreams
lying on the floor
You looked at me
no more than sympathy
my lies you have heard them
My stories you have laughed with
my clothes you have torn

And do you still love me?
do you feel the same
And do I have a chance
of doing that old dance again
Is it too late for some of that romance again
Let's go away, we'll never have the chance again

You lost that feeling
You want it again
More than I'm feeling
you'll never get
You've had a go at
all that you know
You lost that feeling
so come down and show

Don't say goodbye
let accusations fly
like in that movie
You know the one where Martin Sheen
waves his arm to the girl on the street
I once told a friend
that nothing really ends
no one can prove it
So I'm asking you now
could it possibly be
that you still love me?
And do you feel the same
Do I have a chance
of doing that old dance again
Is it too late for some of that romance again
Let's go away, we'll never have the chance again

I take it all from you
I take it all from you
I take it all from you
I take it all from you

I take it all from you
I take it all from you"

(Deus)