"O amor nunca pode ser
bonito desse jeito..."
Ana Maria Pedreira
"Sussurrante e soluçante,
como quem corta os pulsos.
Um trespassar de cores,
policromática miragem
do mais moderno tecnicolor,
O amor é esmaecido ou é
intenso, quando não se está
pensando nele – e tudo está bem.
O amor é lúbrico e déspota,
quando não se está fumando
– e tudo vai bem.
O amor é lírico e obsceno,
quando não se está bebendo,
– e se sente bem.
O amor é fatal e suicida,
quando não se cheira coca
– e todos, todos são bons.
derrama algum sangue,
impossível de registrar.
"E se quiseres, lembra-te;
Se quiseres, esquece."
Christina Rosseti
"Toda casa tem um passado.
Das janelas vislumbra-se as ruas.
É nas ruas que a vida perpassa.
Dentro da casa – móveis mortos.
Dentro da casa – fantasmas circulando
Dentro da casa esboroam ficção e sonho.
– É bom ficar atento!
11
“Fomos o frágil perdão e castigo,
um pouco do ser homem e mulher.”
Xênia Antunes
"Está próximo, bem próximo,
o lado inumano e humano
do mistério feérico.
Um microssinal, sublimado,
acende sensações latentes
e todo o ser estrala.
Desperta para o impasse,
o entrave de dúvidas,
questões inamovíveis.
A simples constatação de que
em nós perdura o rotundo,
– o inexplicável nada."
4
“É chegar e ao mesmo tempo ouvir,
saber entregar-se e chegar
mesmo tendo sempre que partir”.
Solange Sileikis
"Estrela-guia permite ao poeta
a magia da distância.
Permite ao amado
esse viver amado,
quase sempre adoidado
à distância.
Estrela-guia concede ao Nauta
o dom de estar no deserto
e longe te ver.
Permite ao cantor
sorver a luminosidade
distantes bilhões anos-luz.
Estrela-guia entrega ao errante
o menor amor, polígamo,
onírico, monógamo.
Permite ao solidário
sempre, eternamente,
a esperança,
sozinha e distante.
Estrela-guia devota ao Argonauta
o calor do aconchego:
para que não sofra
a decepção da frialdade.
Permite que pise teu solo
e não o desértico
solo da Lua, de Marte,
de Vênus, de Sírio.
2
“Um sol que vertia sangue
sobre o monte...”
Suzana Vargas
"Manhã suspiro, manhã vã, manhã
– em suicídios despedaço.
Dia ido, dia perdido, dia falido
– em fluidos me desiludo.
Tarde orca, arde tarde, tarde morta
– em compotas, desditosa.
Sol morto, sol posto, sol baço
– em pedaços, desperdício.
Noite lenta, asquerosa, gosmenta
– entre lençóis de cetim...
Madrugada alada, alva parada
– em chumbo desesperançado.
De manhã eu piro em vão, amanhã
– em suicídios de bala de aço.
2
“Venho sistematicamente
me estraçalhando
nos vidros da janela.”
Many Tabacinik
"Pouco mais que isso: poesia
de cortar os pulsos sem comoção.
Um canto mais deprimente
que heroína, mas que fala de amor.
A vida perfeitamente enojada:
viver parece nunca ter fim.
Na ausência ou na existência,
que importa? Desiludidamente.
É que depois a solidão torna
tudo demais pós-comoção.
Quem está pronto para ter o coração
partido de tristeza ainda mais?
A vida é um longo caminho
perdido entre poeira e asfalto.
Quem vai crucificar o sentimento
– esse podre coração de aço?
Quando se é jovem para sempre
toda vida é uma canção injusta."
3
“El alma vuela y vuela.”
Nicolás Guillén
"Pega minhas mãos frias e beija.
Meu peito sem hálito acaricia.
Fixa meus olhos baços lacrimejantes.
Exaure-me todo, toda a resistência.
Totalmente desequilibrado em pênsil arame.
Deforma-me com tuas mãos quentes de barro.
Quebra-me os ossos, guarda-os para ti.
Elabora um brinquedo desmontável.
Traz o brilho nauseante dos teus olhos.
Baixa minhas pálpebras deslustradas.
Apaga minha penúltima Luz!”
7
“Uma doce canção,
um beijo entra em mim
e dói meu coração.”
Claudia Pequeno
"Dizem que o coração não dói.
Imagino-o um feixe de músculo louco
movido a sangue que rega, bombeia,
contínua, tresloucadamente, o corpo todo.
E dói. Neste exato momento sinto
o pulmão imprensá-lo com seu fole
monstruoso contra algo – e esse terror
me tira o fôlego. Dói que nem respiro.
Sequer posso raciocinar com essa dor
que impede de deitar em decúbito:
Sento na poltrona e algum conforto
me diz que essa posição o agrada.
Mas o coração ainda dói e faz-me ver
os problemas, está me comunicando
as mil dificuldades que tem para cumprir
a função milagrosa de me manter vivo.
Semelha muito motor de velhos carros,
sofrendo encanecido para subir ladeiras
– geme, fumega, freme. E como dói,
parece me passar um recado clemente:
– Estou mal, diz choramingando, vou parar
a qualquer momento inexato, sem aviso.
Coração não mata (dizem), a morte advém
com o fim da atividade cerebral. Pois bem.
Que importa? Meu coração seguramente dói:
e quando cansado decidir parar de uma vez,
nem precisa dar sinal ou Aviso Prévio:
com ele irei também solenemente. De dor.”
8
“Senti no impulso de abrir os olhos o temor de
encontrar os dela.”
Bruna Lombardi
"Antes da travessia houvera o bom Deus
ceder-me uma vez só
o prazer de despertar a teu lado.
Uma vez só – não mais – deixa-me
exercitar o direito que o tempo
úbere despejou sobre nós dois.
Quando o dia inda plúmbeo
invadir de sombra gris
tua pele de areia e vier
turvar os lençóis alvos,
um dia só – nem mais,
queria a teu lado acordar,
ouvindo teu ressonar morno,
pacífico, amante, a suspirar sonhos.
Queria uma só vez aspirar
do teu corpo algáceo
o perfume de água do mar
nas manhãs de inverno.”
10
“estar assim,
de ponta a ponta esvaziado, quieto,
sem derrota de amor e de abandono.”
Vito Pentagna
"Viver sozinho é bom. Muito bom.
Desde que se viva longe da solidão.
Não. A solidão não é má companheira.
É boa a solidão sozinha.
É por causa das duas ânsias
de viver: Do jovem, quando
a vida se aproxima com
a velocidade da luz.
Do outro, para o qual ela
(senão a vida mesma),
vai se desfazendo passado,
ano-luz de velocidade.
O mundo está acabando?
Que se acabe o mundo!
– Estou infeliz...
A felicidade onde está?
Que se dane a felicidade!
– Estou na curva do oceano...
Abraçado à paixão,
não quero dela despojar-me.
Jamais. Lo que pasa es que
el mundo está borracho.”
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“O controlador dos universos
deu-me o dom da vida.”
Márcio Catunda
"É como quero – faço o mundo.
É como faço – quero-o assim:
Aqui e agora, nem ontem,
quente e amigo, sem amanhã.
Frio e com a aspereza do aço.
O universo é salada de alface:
Limão, tomate, cebola e alho pisado.
E azeite bastante, como tu fazes.”
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“A tua ausência é um abismo
à beira do qual a minha vida se debruça.”
Márcio Catunda
"Quanta senda tem teu corpo?
Quero saber por inteiro,
Desvendar o teu mistério,
Quero ser teu cavaleiro.
Quanta sarda tem tua pele?
Quero contar em anos-luz,
Navegar o teu espaço,
Espaçonavegar entre asteróides.
Quanta fenda tem teu corpo?
Quero mapear desfiladeiros,
Regressando àquele porto,
Enseado em teu regaço."
20
“Sálvenme de una vez
O dispárenme un tiro en la nuca.
No me gusta mirarme
En los espejos salpicados de sangre.”
Nicanor Parra
"Sim, crava as lupinas garras, em beijo
cinematográfico, mutila-me a face
e inunda de sangue tua sedenta goela.
Deixa escorrer, depois, o rubro mel
entre os lábios gelados, inquietantes,
horrendos, alucinantes, surrealistas.
Mas, para alcançar a salvação externa,
minha rainha, desiluso exijo explicação
pura sobre algumas doidas loucuras:
– Por que perder o ambicionado tesouro?
– E nos fazer gozar o desprazer antecipado?
– Por que possuir o amor indesejado?
– E nos fazer livres para o proibido?
(São clamores de magos e pajés
que não consigo compreender).
1 comentário:
Isto é tanto... uma torrente do Humano. Não consigo comentar. Acho que será preferível o silêncio humilde :)
Um 2010 iluminado para ti!
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