A Marginal
Caminha-se a favor do vento, das águas correntes e
de algumas aves perdidas dos portos.
Não me chames para o lado de dentro dos países nem
para fazer pousada na gruta secreta daquela montanha
coberta de amoras e forrada de líquenes.
Aqui, no passo lento de quem não tem certezas nem
afectos
vou a caminho da foz. Chegam barcos, saem outros.
Brilha este lado das águas.
A sombra também caminha e só na distância das ondas
poderá estar o espelho brilhante que fixa a luz à terra
ou a chama ao fascínio."
(Firmino Mendes)
Obrigado pelo teu aniversário.
Loucura
A sujeição quotidiana pode impedir qualquer um de desenvolver o seu Eu – tornando-se esquizofrénico. Padece-se dessa patologia porque a autonomia vivida é a dos outros e escondemos as nossas emoções a favor de uma convivência idilicamente falsa subordinada por relações de poder.
Poucos são os que reconhecem as dádivas que se partilham diariamente que historicamente inter e intra-estruturam o(s) sujeito(s). É urgente, há muito tempo, agirmos como pianistas de sentimentos. (Re)Criadores responsáveis pelas suas próprias obras mais ou menos artísticas mas definitivamente representativas e edificadoras do(s) mundo(s) e interacções existentes.
Viver cada momento – hora, dia, ano – como um ensaio e\ou espectáculo diferenciado e potenciador de aprendizagens singulares.Fragmentos do Manual de Leitura de Platónov (TNSJ, 2008)
“A esperança não nasce de uma visão do mundo tranquilizadora e optimista, mas sim da dilaceração da existência vivida e sofrida sem véus, que cria uma irreprimível necessidade de resgate.” (Cláudio Magris)
“Platónov parece ser o centro de um pequeno mundo provinciano. Mas esse centro aparente é tão-só um turbilhão que a si próprio se suga, se autodestrói e prejudica todos quantos dele se aproximam. Platónov é composto por vários fragmentos de seres que só não se desintegram graças ao amor que as mulheres lhe têm e à pura incoerência de que a sua pessoa é urdida.” (Béatrice Picon-Vallin)
“A história literária ocidental dos últimos dois séculos é uma história de utopia e desencanto, da sua inseparável simbiose. A literatura coloca-se frequentemente face á história como o outro lado da lua, o lado que deixa na sombra o curso do mundo.” (Cláudio Magris)
“Platónov – Rebelde insensato, politicamente e socialmente incorrecto, a personagem antecipa a figura do desesperado James Dean, capaz de arrebatar corações a duzentos à hora e morrer espatifado contra uma árvore no deserto.” (Carlos J. Pessoa)
“O progresso colectivo evidencia o mal-estar do indivíduo; ambicionar viver é coisa de megalómanos, escreve Ibsen, querendo com isto dizer que só a consciência do árduo e temerário que é aspirar à vida autêntica pode permitir que nos aproximemos dela.” (Cláudio Magris)
“Romeo Castellucci afirma que a missão do artista não consiste em dar a sua visão ou em transmitir a sua mensagem, mas muito mais em suscitar o poder de criação do espectador. Stanislas Nordey diz: o corpo do encenador é um corpo exposto, um corpo impudico.” (Alexandra M. Silva)
“Se representada a totalidade do texto, sem cortes, daria um espectáculo de pelo menos seis horas – o jovem Anton Tchékhov não tinha ainda a experiência viva do teatro.” (António Pescada)
“Ninguém está habituado. È a tirania da hora e meia!” (Nuno Cardoso)
“Uma grande obra, grande não apenas em extensão mas também em densidade, permite diferentes formas de abordagem. Porque embora uma obra seja em geral maior do que a soma das suas partes, também acontece algumas partes de algumas obras valerem por si mesmas e conquistarem uma certa autonomia.” (António Pescada)
NUNO CARDOSO
“Estamos órfãos de referências.
Uma improvisação aplicada a um texto de reportório é uma operação de hermenêutica, é um estudo.
Corremos o risco de sermos uns falhados tonitruantes, com estilo, uns putativos artistas de gaveta, que pululam cada mais por aí.
A cidade do Porto é uma boa amostra deste estado de coisas, porque é uma cidade sem memória. Não há memória das companhias teatrais da década de 90, não há memória do mito fundador que foi António Pedro, e por aí fora. É uma cidade que está sempre no mesmo sítio, que está sempre a começar do zero. A sociedade de Platónov é vampiresca, também nunca sai do mesmo sítio, nunca."
-------------------------------------------------------------------------------------------------“Presente menos Passado – dá resultado negativo (como 10-25=-15)” (Gonçalo M. Tavares)
Escrevo-te
Esta sensação instigadora bem-vinda humedeceu a pele coberta de penas descobertas e - como um símile - os lençóis no dia seguinte desejado espraiaram-se com olhos fundos no seu pingar oscilante.