Bertolt Brecht

Monólogo de uma actriz enquanto se maquilha

Vou fazer o papel de uma bêbada
Que vende os filhos
Em Paris, nos tempos da Comuna.
Tenho apenas cinco réplicas.

E preciso de me deslocar, de subir a rua.
Caminharei como gente livre
Gente que só o álcool
Quis libertar e voltar-me-ei
Como o bêbado que receia
Ser perseguido. Voltar-me-ei
Para o público.
Analisei as minhas cinco replicas como os documentos
Que se lavam com ácido para descobrir sob os caracteres
visíveis

Outros possíveis caracteres.
Pronunciarei cada réplica
Como a melhor acusação
Contra mim e contra todos os que me olham.

Se eu não reflectisse maquilhar-me-ia simplesmente
Como uma velha beberrona
Doente e decadente.
Mas vou entrar em cena
Como uma bela mulher que guarda a marca da destruição
Na pálida pele outrora macia e agora cheia de rugas

Outrora atraente e agora repelida
Para que ao vê-la cada um se interrogue: quem
Fez isto?

5 comentários:

João Henriques disse...

muito bom! :-)

cadernodelinhas disse...

Existem certas pessoas que deviam continuar a escrever. Este é uma delas...

Anónimo disse...

olá, entrei aqui por mero acaso, ou por um feliz acaso. quando vi o poema de Brecht fiquei agadavelmente surpreendida. julgava que "ninguém" o conhecia. faço parte de um grupo de teatro " Teatro do Rio" já "fiz" várias vezes este poema e de cada vez que o lembro emociono-me como se fosse a primeira vez que li.
sei-o de cor e por muitos anos que viva jamais o esquecerei.

felicidades para ti que o postaste no blog.

cadernodelinhas disse...

Obrigado Ana

textos de pedra e
textos e de sangue
como este

marcam-nos

(felicidades para ti tb)

Anónimo disse...

ola , eu vou ter uma audiçao e tenho que encenar este monologo, podes me ajudar ?