O professor

Eu ensino

O mundo está cheio de coisas simples

Durante a manhã as cortinas ondulam nas janelas abertas como se as casas se saudassem

E a luz cai nas montanhas e na água nas chaminés das fábricas e nas árvores

E à noite a lua cruza o céu como um olho a explorar um livro

Seria fácil ensinar estas pequenas verdades

Mas os amos desejam que o mundo seja feio para que possam governá-lo no oculto

Eles emitiram uma ordem: as nuvens são amarelas e verdes

E a relva púrpura e laranja e preta

Vejo as crianças estrábicas até os olhos verterem lágrimas enquanto lutam para ver as estrelas azuis e rosa

E o seu dorso endurece e as sobrancelhas enrugam como linhas num livro enquanto lutam para ver que cada gota de chuva tem uma cor diferente

E os punhos cerram enquanto declamam a relva é negra

Eu ensino

É a minha profissão falsificar a aparência das coisas

Enquanto o escaravelho grita no céu vocês são verdes e fugitivos para a escuridão


(Edward Bond)

2 comentários:

Sara disse...

Mas ainda há espaço(s) de manobra: ainda podemos ensinar que se pode ouvir o vento, investigar a própria sombra e perguntar "porque é que a lua é redonda e tem bicos?" Na compreensão irredutível de que muitas vezes os que chamamos "aprendentes" são os melhores mestres.

cadernodelinhas disse...

Sim, ainda há: lá fora e cá dentro, seja onde, ou o que, forem. Mas também não posso deixar de pensar que gostaria, por vezes, e a dizer pensamentos desses, de voltar a ter a altura do joelho.