- Como agora?
- Sim, como agora. E quando não falas, são os teus pensamentos.
- Mas tu não ouves os meus pensamentos.
- Talvez por isso. Ouço o que não ouço. É o silêncio que eles fazem. O silêncio das tuas palavras perturba-me mais do que as palavras ditas, as palavras propriamente ditas. E então peço-te que fales, o que é a mesma coisa, porque não consigo suportar a ausência das tuas palavras. Ou a presença delas. Não sei.
- Então o que queres que faça?
- Apenas que faças. Que nunca digas o que fazes ou não fazes. Não me interessa o que pensas de mim, o que dizes ou consentes. É-me indiferente.
(...)
- E gostas dos meus pés?
- Acho os teus pés horríveis. Mas sou capaz de simpatizar com a tua boca. Talvez nem seja a tua boca toda, apenas o teu lábio inferior, quando o sinto entre os meus lábios, quando te beijo, ou melhor, quando não te beijo, sinto apenas os meus lábios sobre os teus, muito quietos que não parece muito um beijo.
- E gostas da minha coninha?
- Não se diz isso. É feio.
- E a coninha: achas a minha coninha feia?
- Já vi coninhas melhores, se queres que te diga. Mas não é uma coninha feia.
- Parvo.
- (...) A tua coninha só tem pouca personalidade. Não é grave.
- O que queres dizer com isso? Olha para ela com atenção.
- Estou a olhar.
- Achas que falta assim tanta personalidade? Olha bem.
- Acho.
- O que queres dizer com isso?
- Personalidade. Atitude. É uma coninha passiva. (...) É uma coninha mandriona, é o que é.
(...)
- Não te rias. Não é motivo de risos.
- Não me estou a rir.
- Então é ela. Olha para ela. Ri-se de quê, esta puta interesseirona?
- Ri-se de ti e da tua pichota ridícula.
- Qual é o mal da minha pichota? É uma pichota elegante, dir-se-ia até distinta, helénica, vigorosa, apessoada, tranquila, apolínea, marmórea e culta.
- É uma pichota pequena, meu amor. Sempre te disse que era muito pequena, parece meio atarracada. O teu pai ou mãe é asiático?
- Não.
- A tua pichota?
- Já lá esteve e não gostou.
- Só dizes disparates. Além disso gosto dela.
- A tua conversa dá-me nojo. És uma nojenta. Uma putinha nojenta. Devias ter tento na língua. (...)
- Gostas do meu cuzinho? (...) É o cuzinho mais bonito que já viste?
- Gosto. É o cuzinho mais lindo que eu já vi.
(...)
- Porque é que me bateste na cara?
- Porque és estupida como uma porta.
- Pára de me bateres.
(...)
- (...) Agora só quero me beijes.
- Não me apetece.
- Não é uma questão de vontade. A vontade tem pouco a ver com isto.
- Podes beijar-me, se quiseres. Eu fico onde estou.
- Quero.
- Gostaste?
- Gostei.
- Mas eu não te beijei a ti. Os meus lábios estão parados. Parados.
- Melhor assim.
- Sou um corpo parado e é assim que devo ser?
- Sim. Não gosto que me beijem. Gosto de te beijar prolongadamente. Mas só eu. Não é nada contigo. Mas é tudo para ti. A ideia de paertilhar só se aplica as coisas vivas e inúteis- um livro, uma laranja, um par de peúgas. para tudo o resto, as partilhas são imperfeitas, para não dizer anedóticas. As pessoas não beijam. Há sempre uma que beija mais do que a outra. Que ama mais do que a outra. Que sente ou sofre mais que a outra.
- Posso dizer que te amo?
- Não. Só eu posso dizer que te amo. E amo-te muito. Mais do que pensas.
- Talvez queiras casar comigo. És doido o suficiente para isso.
- Quero, quero muito casar contigo. Aceitas (...)?
- Porque é que estás nessa figura, de joelhos? Ficas ridículo de jorlhos, aí na alcatifa, a tua pequena pichota como um enfeite de Natal pendurado no teu corpo. Levanta-te e caminha.
- Ainda não quero ir para a caminha. Isto agora é a sério. Ouve o que te digo: casa comigo e faz de mim um homem feliz.
- Quero fazer amor outra vez.
- Primeiro, casamos. (...) Temos a minha pequena pichota como padrinho e a tua coninha mandriona como madrinha. Agora enfia isto no dedo e diz as palavras.
- Um preservativo?
- Enfia-o no dedo. (...) Agora: aceitas ser minha esposa, na saúde e na doença, até que a morte nos separe?
- Espera. Que espécie de doenças? Todas ou só algumas?
(...)
- Todas. As doenças mediavais, as viroses, a cegueira, as embolias cerebrais, aguentas tudo. Mesmo que a fatalidade meta fraldas, e nao pudermos foder mais, os nossos corpos definitivamente apagados, e que do nosso amor só reste a memória. Compreendes o que te peço? Chama-se sacrifício. E nunca saberás o que é amar alguém se não amares também o sacrifício. Porque estás a chorar?
- Nunca pensei que quisesses casar comigo. É só isso. É bonito o que dizes.
- Não consigo ver-te chorar, meu amor. Parte-me o coração.
(...)
- Pára de chorar. Cobre o teu cabelo com o lençol para eu te poder beijar sob o véu. Limpa as lágrimas com os meus dedos.
- Amo-te muito. Já to disse várias vezes, mas nunca numa cerimónia como esta.
- Também te amo muito. (...) Diz apenas qe "sim". (...) Aceitas casar comigo?
- Caso.
- Não é "caso". É aceito.
- Aceito.
- Aceitas o quê?
- Aceito casar contigo. E aceito a tua pichota pequena, meu amor. Estou a brincar. Não chores. Não gosto que chores. Os homens não deviam chorar. Olha para mim: aceito casar contigo e fazer-te o homem mais feliz. Não direi o mais feliz entre os homens, mas o mais feliz entre os homens de pichotas pequeninas. Agora ris?
- Rio.
- Estamos casados?
- Estamos, meu amor. Aos olhos de Deus somos duas almas gémeas que se encontraram no firmamento. Pára de rir.
- De Deus e do firmamento? Foi isso que disseste?
- Putinha. Minha grande, adorada, e casada putinha. Nunca nos devemos rir de Deus. (...)
(...)
- Mas eu abro o coração para Deus. Juro. É só isso que queres que eu abra?
- Não me faças rir, merda. Isto é uma coisa solene.
- Enfia a aliança. Deixa-me enfiá-la onde eu quiser.
- Pára com isso. Estou a ficar com tesão e Deus a ver.
- Não está nada. Ele fecha os olhos nestas partes.
Está a ver. Pára. Pousa a aliança. Porta-te como uma mulher casada. (...) Diz só que me amas muito.
(...)
- Eu amo-te muito."
João Pereira Coutinho.
Revista 365, numero 29.
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