Para a João e o Miguel

“Quando decidiu tornar-se militar, empreendeu esse caminho movido por um impulso elevado, generoso. Na carreira das armas procurava a cristalização de um anseio superior, de um sentimento que o arrancava das comodidades da vida burguesa e que o colocava no caminho da heroicidade, dos sentimentos nobres, do sacrifício supremo. Tinha entrado na milícia como quem entra na religião abraçando o seu sabre como quem abraça uma cruz. (…) A longa vigilância estava a chegar ao fim. Desejou que os seus entes queridos pudessem ser testemunhas da sua coragem serena, da sua forma de deslocar-se através do campo de batalha (…). “

(O Hussardo - Arturo Pérez-Reverte)


Insânia

O ser sensato
Corresponde ao sentir com insensatez
O que quer dizer que
O ser é sentir
E o sensato é insensato

O que não corresponde® sensatamente
A este perfil
Falta-lhe muito para ser
Porque ficou perdido na sensatez




adoração

no dia em que a noite visitou o dia
deitei-me com a chuva aquecida à lareira



TUDO TEM UM FIM
À semelhança dos militares
Os amantes adquiriram o hábito dos turnos
Os primeiros em alerta nocturna
Os segundos em leituras
Igualmente nocturnas e
Igualmente por turnos

Dois para lá Dois para cá



Sentindo frio em minha alma
Te convidei pra dançar
A tua voz me acalmava
São dois pra lá, dois pra cá
Meu coração traiçoeiro
Batia mais que o bangô
Tremia mais que as maracas
Descompasados de amor
Minha cabeça rodando
Rodava mais que os casais
O teu perfume gardenia
E não me perguntes mais
A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias
No dedo um falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante band aid no calcanhar
Eu hoje me embriagando
De uisque com guaraná
Ouvi tua voz murmurando
São dois pra lá, dois pra cá
Dejaste abandonada la ilusión
Que había en mi corazon po ti

(Elis Regina - João Bosco/Aldir Blanc)

Uns deambulam pela calçada
Viciados pelas cabeleiras


Fatos e gravatas
Vestidos e tacões

Enquanto outros penteiam
Os seus corpos incessantemente

Lençóis e almofadas

Vestidos e despidos

O Hussardo

“Tinha entrado na milícia como quem entra na religião, abraçando o seu sabre como quem abraça uma cruz. E se os sacerdotes ou os pastores aspiravam ganhar o céu, ele aspirava ganhar a glória: a admiração dos seus camaradas, o respeito dos seus chefes, a auto-estima através da experimentação desse belo e desinteressado sentimento de viver com a consciência de que era doce e bonito lutar, sofrer e talvez morrer por uma ideia.
A Ideia.
Era isso precisamente o que diferenciava o homem que se erguia acima do material, de todos esses outros, a maior parte, que viviam prisioneiros do que era palpável e imediato.”

(Arturo Pérez-Reverte)

Pássaro Aqui e Ali

(Re)Tomar-te
Como uma bebida
...
Não, não é isso
...
Segurar-te
Como uma gaivota
...
Não não é isso
...
Amar-te
Como meu
...
Sim, sim é isso

O Hussardo

“Lama nos joelhos e sangue no ventre, surpresa atónita na expressão rígida dos mortos, cadáveres despojados, chuva e inimigos invisíveis dos quais se via apenas a fumarada dos disparos.
A guerra anónima e suja.
Não havia rasto de glória no soldado que gemia com a cabeça vendada e o rosto entre as mãos, nem no outro ferido que contemplava as suas próprias entranhas dilaceradas como quem formula uma censura.”
(Arturo Pérez-Reverte)

Pedido

Cabeça de madrugada
Que me proteges
Atiça-me o sentir
Reforça-me o sabor

O mar por mim a dentro
Fora do tempo
Guarda(me) algum saber


? (17)

Diz o Admirado ao Admirador:
- Provoco-te porque desejo o teu prazer.
O Admirador equaciona os sentidos e desenha um sorriso.

E na espera
Nocturna, viveremos
Amargurados

Resumo à espera

Calma
Inquietude
Aborrecimento
Provocação
Desilusão

Geert Goiris

? (16)

Porque o Admirador não tocou o Admirado,
o Admirado ficou pobre.
A incisão do Outono na pele ressequida
Estilhaça todos os voos quentes a que nos permitimos

E aguardem o estrangulamento de todas as visões idílicas
Pois mesmo as mais preciosas miragens
Serão pressionadas com tal brutalidade
Que apenas sobreviverão
Os percursos de uma folha em queda

O Amor

“A metodologia útil é um martelo.
A ciência utiliza um martelo.
A arte utiliza a ciência.
(E o amor pode inutilizar tudo.)”
(Gonçalo M. Tavares)

Hussardo

“A noite continuava quente e o céu estava repleto de estrelas em volta de uma lua afiada como um punhal. Chegados ao jardim, os preparativos foram rápidos. Ambos os antagonistas ficaram em camisa, entraram num círculo iluminado pelos candeeiros e, passados alguns momentos, estavam a atacar-se com o sabre.”
(Arturo Pérez-Reverte)

(a partir de Fernanda Gomes)


Falo-te da interioridade absurda
Envolta de desejo carnal

Mostro-te a inquietante pulsação
E esboço o teu prazer

Acciono uma viagem inocula
Pelo prazer do outro

?(15)

Admirado – Só o sou porque não sou.
Admirador – Só o faço porque és.

Porquês

Porque é que ele é meu amigo?
Porque é que não há mar em Paris?
Porque é que as mulheres não acabam com as guerras?
Porque é que não tenho outros Pais?
Porque é que é que o sal se desfaz?
Porque é que sou Português?
Porque é que não encontro o meu brinquedo?
Porque é que não há casas em Marte?
Porque é que falas comigo?

Sabores

Sombra sobre sombra
Lado a lado
Esguios como o vento
Altos como deuses
Os enamorados
Seguram-se pelas mãos
Ao sabor de cada intempérie


A imitação

"Se o pensar agora é igual ao pensado, então tal não é pensar, é imitar.
- Tu não pensas, imitas.
Eis um insulto desagradável."
(Gonçalo M. Tavares)

Contra (a) Escolha

O bom e o mau
O belo e o feio
O conhecimento e a ignorância
O sim e o não
O cheio e o vazio
O som e o silêncio

Mantêm-nos vivos

? (14)

Pergunta o Admirador ao Admirado:
- O que é que vale a pena?
O Admirado responde com um abraço e ainda diz:
- Com alguma distância, tudo.
Enquanto o tempo arde
Socorro à escrita
E quando acabar
Queimo-me

Lógica

O carro está na rua, então vou ao cinema.
A colher não está lavada, por isso bebo um iogurte.
O café está cheio e dirijo-me a uma livraria.
As escadas rolantes não funcionam e volto para o sofá.
Se estiver a chover não vou trabalhar.
Quando faltar a luz encontram-me na praia.

Erro e Verdade

“As tuas verdades e as tuas conclusões científicas encontram-se directamente ligadas às tuas metodologias.
No absoluto nada é verdade. Cada coisa é verdade de acordo com uma certa metodologia.
- Dá-me uma mentira e eu encontrarei a metodologia capaz de a transformar em verdade.
O oposto ainda é mais fácil:
- Dá-me uma verdade e eu encontrarei a metodologia capaz de a transformar numa mentira (num erro).”

(Gonçalo M. Tavares, Breves Notas Sobre Ciência)

Fonte

Foste grande fonte meu filho
Grito: pinheiros novos, lagos enormes
E a minha boca no outro extremo desta cidade
Morre

? (13)

Diz o Admirado para o Admirador:
- É fácil admirares no teu espaço e tempo e é-te difícil perdoar outras interpretações.

Sentença

Quando o véu da noiva cair sobre o altar
Ascenderei levado a braços pelos convidados
Ao julgamento final
A sensação da proximidade da morte é pessoal e localizada num espaço único do corpo.
O que a ignorar não se conhece.
O que a exteriorizar mente.
O que a partilhar vive.
Em nenhum dos casos esquecidos poderá ser cobardia.

? (12)

É estranho o Admirado não amar ninguém. E quando o Admirador soube teve de reformular a sua estética de amar toda a gente.

Dia-a-dia

- Já viste os pés
- Ontem ou hoje
- Estão iguais
- Pois estão
- Achas que devemos ir ao médico
- Estão iguais
- Por isso
- Não. Amanhã vemos outra vez
- Mas eles…
- Não te preocupes
- Preocupo-me
- Não
- Sim
- Já viste a tua teimosia
- Continua igual. Como os pés
- Pois é. És muito especial
- Tu também
- Como os pés
- E se eles não crescerem
- Ficam bonitos para sempre
- Como bonsais
- Só precisamos de continuar a amá-los
- Já nos viste!

Eu podia estar contente

Eu podia estar contente
Começa a cheirar a mar
Encontrei um avançado para me encontrar
Com o silêncio da branca espuma

Como é mais calma esta água
Espelha os sons de uma ave perdida
Uma ave que incomoda as sombras dos barcos
E a serenidade do horizonte

Porque movimenta-me
O meu contentamento está insatisfeito

Há a ausência das rochas
E o balbuciar quase violento das rebentações
É substituído pelos motores doutras aves iluminadas

Luzes que entram pelo céu adentro
Ou se encostam à terra

Encontro uma solidão preenchida noutro lugar
Encontro uma possibilidade de estar contente

Invadido por uma memória mais feliz

? (11)

Uma noite o Admirador abriu a janela e verificou mais uma vez a distância entre si e o Admirado:
A fusão era longínqua.

Desígnios de um homem

Passeia-se socialmente sobre os sabores das pessoas.
Tem ocupações prazenteiras intercaladas com as profissionais.
Todas as noites aguarda, instalado no sofá, a visita do sonho prometido. E cada acordar traz-lhe apenas uma nova viagem ao mundo dos animais.
Emigrante todos os dias.
Um como um gato que agradece a dedicação com um gesto preguiçoso.
Outro como uma tartaruga que num tempo só seu, torna-se insubstituível.
Outro como um tigre que pasma todos pela sua sedução violenta nos espaços mais privados.
Experiências e aprendizagens humanas? Ou… Transformações oníricas disfarçadas de promessas por um destino (in)definido?


Escritor

"Telefonava-lhe a meio da noite. Não importava a hora, precisava. Ela acordava sobressaltada. Ele dizia: «Sou eu.» Ela dizia: «És tu?» fingindo espanto.
Ele dizia disparates. Ela ficava a ouvir.

Isto durou alguns meses. Até ele acabar o romance que estava a escrever. Depois deixou de telefonar. Ela primeiro ficou triste e depois procurou um namorado que não fosse escritor."

(Pedro Paixão «Viver todos os dias cansa»)

Sentido contrário

"As pessoas deviam ter mais cuidado. Com o que dizem, com o que fazem. Se bem que se tiverem demasiado cuidado não dizem nem fazem nada. As pessoas deviam ser mais pessoas, embora não me convenha perguntar agora o que quero precisamente dizer com isto. As pessoas deviam estar mais juntas e mais afastadas, consoante os casos, as horas e os sítios. As pessoas deviam ter mais respeito pelo que não lhes diz respeito. Só deviam ver televisão em casa dos vizinhos.
Dito isto, a minha vida, as nossas vidas neste momento abraçadas, largam um suspiro que alguém ouve do outro lado."

(Pedro Paixão «Viver todos os dias cansa»)

Olho o vazio nocturno
Por uma multidão adentro
E espero que as vozes diagonais
Invadam a minha íris direita
Porque a esquerda foca invariavelmente
Os silêncios paralelos


Conhecimentos

Ando a céus a gaivotas
Encontro cadeiras a sons
Pareço semana a máquina
Visto fumo a aço
Falo escritos a filmes
Vejo andaimes a estômagos
Faço cortinas a pombas
Tenho música a dia
Bebo estante a metro
Abraço sinos a estrelas
Pinto aviões a panos
Pago sonho a fio
Solto letras a coração

? (10)

Enquanto o Admirado mendiga pelas suas homenagens, o Admirador persegue outros juízos porque depende deles.
Existem os verbos que são difíceis
[ou]
Os verbos que existem são difíceis
[ou]
São difíceis os verbos que existem

Resquício(s)



Um espaço desabitado
Retém memórias
Como um perfume

Pela Chuva

1- Tenho sono

2- Não penses

1- Penso que tenho sede; e tu não pensas

2- Tenho medo

1- Então pensas e tens sede

2- Vamos morrer

1- Vai chover

2- Não vai chover

1- Não tenhas medo

2- Outro dia e nada

1- Não te vou deixar desistir

2- Vou

1- Eu também

2- Não; tens de viver

1- Quero ficar contigo

2- Morres

1- Não há água e não vai chover

2- Já não tenho medo

1- Mas eu…

2- Não penses

1- Tenho sede


Casamento (do) Futuro

O dinheiro sempre foi senhor do seu nariz
Conversava com todos mas não se submetia a ninguém
Os dias podiam ficar mais escuros mas ele continuava em negociações
As noites podiam ficar maiores mas ele não se importava
O seu autoconceito era implacável em qualquer bolsa que estivesse

A electrónica era uma menina muito pacata
Obedecia às ordens dos seus programadores sem caprichos
Todos os dias era submetida a actualizações e a conexões
E mesmo durante a noite servia todas as pessoas uma a uma sem diálogos
Participava no sedentarismo de todos com toda a sua eficácia

Certo dia o dinheiro conheceu a electrónica
Num curso intensivo de estratégias de marketing
Namoraram durante um dia
Ele aprendeu a despersonalização
Ela aprendeu a globalização

Como uma imagem do futuro
Casaram numa noite veloz

Nina

“Feliz aquele que em noite assim tem um tecto por cima da cabeça, e um canto onde se aquecer” Eu sou uma gaivota… não, não é isso. O que é que eu estava a dizer? (…)
Há dois anos que não choro. Ontem, a altas horas, fui ver ao jardim se o nosso teatro ainda continuava de pé. E lá estava ele. Desatei a chorar pela primeira vez em dois anos, e foi como se uma bruma se dissipasse dentro de mim. Já não estou a chorar. (…)
Porque é que ele está a dizer aquilo? Porque é que ele está a dizer aquilo? (…)
Porque é que você diz que beija a terra que eu pisei? É preciso que me matem. Estou tão cansada! Se eu pudesse descansar… descansar! Eu sou uma gaivota… Não, não é isso.

(A Gaivota - Tchekov)

Drinking Tears From Mary

Mother Mary

Mary Love

Not Violence

Paixão de trás para a frente

Solta-se um vento em cada olhar
Em cada pessoa que passa
E os passos ocupam o pensamento
Como o mar avança sobre a areia

Nenhuma gaivota morta se alimenta
Por de trás da janela
Revisitada pela letal intermitência da paixão
Brilha, outra vez, a cada sopro sanguíneo

Corre inquieto um vento emudecido
Entre os lábios do pecado e da paixão
Alimentado entre cada visita
Do silêncio ou da solidão



(Salvador Dali)

valter hugo mãe (2)

o poeta como nu

um dia apareceu um poeta sem pétalas. nunca tal se viu
sem pétalas, dizia-se, estava igual a nu, coberto de nada
que o diferisse, como se ser poeta não trouxesse marcas à
flor da pele. algumas pessoas riram-se nervosamente, e só
por isso o estranho poeta se foi embora sem outra notícia




(blanka_sperkova)

valter hugo mãe

poema do homem sem quotidiano
era um homem sem quotidiano e nunca ninguém o viu
duas vezes, ao que se soubesse, ele dizia que não conhecia
quem era e não voltava para casa alguma. pelo caminho,
esquecia os caminhos sem remédio. muitas pessoas não
acreditavam que ele existisse e, quando o viram por uma
única vez, não lhe perguntaram nada de especial. deixaram-no
passar sem pensaram mais nisso. no fim da vida,
entre pensamentos, ocorria-lhes que teriam visto tal homem,
mas confundiam a memória do seu aspecto com a
dos forasteiros vulgares, assim, quando levavam as mãos
ao peito e rezavam por uma morte boa, achavam entre os
forasteiros uma estranha aura de santidade, como se, também
entre eles, tivesse caminhado um filho de deus ou um
simples anjo desbastado de asas

Igreja a que lhe falta um sino

Em terras medievais um dia o pároco cansado subiu aos sinos
E não mais saiu de lá até à Sua chegada

Todos pensaram falaram inventaram a sua fuga à terra

Todos os dias santos a população dirigiu-se à aldeia mais próxima
Para receberem as palavras de Deus

Todos os dias santos o pároco imaginava os seus fiéis

Um dia o acólito alérgico subiu aos sinos
E só saiu de lá quando conseguiu desprender o sino

Todos ajudaram tentaram forçaram a retirada do corpo que ficara aço

Enterraram-se os objectos sagrados na que se passaria a chamar
Igreja a que lhe falta um sino
inquietude

Cansado

Ergue-se o silêncio dos passos
Inaugura-se outra escuridão
Entrega-se ao voo do pensamento
Passa-se o tempo pela areia
Esquece-se das luas
Sinead O'Connor - Fight The Real Enemy

just to remember...
Sinead O'Connor - Song of The Vineyard

she's back! Oh yes, she's back... again!!



Dois desconhecidos
Pendurados no aeroporto
Ele e Ela
Comunicação não Verbal
Ele-
Ela-
Ele-
Ela-
Ele-
Ela-
Comunicação Verbal
Ele- Vais-te mudar?
Ela- Estou a tentar…
Ele- Acho que não devias.
Ela- Ler o jornal.
Ele- Estou sozinho.
Ela- Parece.
Ele- Posso ser teu?
Ela- Já estamos presos.

? (9)

O Admirado pelo Admirador comenta:
- Finalizam-se as obras apenas para serem admiradas.

Bertolt Brecht

Monólogo de uma actriz enquanto se maquilha

Vou fazer o papel de uma bêbada
Que vende os filhos
Em Paris, nos tempos da Comuna.
Tenho apenas cinco réplicas.

E preciso de me deslocar, de subir a rua.
Caminharei como gente livre
Gente que só o álcool
Quis libertar e voltar-me-ei
Como o bêbado que receia
Ser perseguido. Voltar-me-ei
Para o público.
Analisei as minhas cinco replicas como os documentos
Que se lavam com ácido para descobrir sob os caracteres
visíveis

Outros possíveis caracteres.
Pronunciarei cada réplica
Como a melhor acusação
Contra mim e contra todos os que me olham.

Se eu não reflectisse maquilhar-me-ia simplesmente
Como uma velha beberrona
Doente e decadente.
Mas vou entrar em cena
Como uma bela mulher que guarda a marca da destruição
Na pálida pele outrora macia e agora cheia de rugas

Outrora atraente e agora repelida
Para que ao vê-la cada um se interrogue: quem
Fez isto?

À beira, rio.

À beira - rio
Pedras, brisa, sol - Eu
Um rio de solidão
Sem calor
E lenta é a sua marcha humana
À minha beira
Faço-me companhia com elementos naturais
Sem diálogo

Gunas do Porto

Primeiro Guna ETA
- Tive no tribunal

Segundo Guna ETA
- Eu gamei um beto

1 Guna ETA
- Que curte

2 Guna ETA
-Olha-me aquilo

Um Guna PPR

1GunaETA
- Eu conheço-te

1 Guna PPR
-Tá-se

2GunaETA
- White

1G PPR
- Hei

1G ETA
- Tas bem
- Segura-te

1G PPR
- Que é que queres

2G ETA
- Eu conheço o teu primo

1G PPR
- Há!
- Ah!
- Então

1G ETA
- Ele disse que tinha mais droga que nós

1G PPR
- Não
- Hum

2G ETA
- Tas armado em quê

1G ETA
- Passa o telemóvel

1G PPR
- Zzzz
- Calma

2G ETA
- Tá

1G PPR
- Tum

1G ETA
- Deixa
- Dá-me um cigarro


1G PPR
- Tas no gozo

2G ETA
- Dá-lhe

1G ETA
- Pá

1G PPR
- Xau

2G ETA
- Vamos ao 50
- Nice





E.T.A. = Estado Terrorista do Aleixo
P.P.R. = Pasteleira Putos Rebeldes

Gregory Colbert




? (8)

O Admirado encontra o Admirador virado na parede do mar e diz:
- Tais admirados são eternos
Noto-te
Num desnivelamento
De uma plataforma
De um pensamento
A (es) correr mágoas
De uma circulação
De uma circunvalação
(Des) necessária/s
Desculpa
Vou ocupar o teu silêncio

Voo

Há muito tempo num rio
De emoções quentes
Planou sobre mim
Um pássaro escuro
Deixou cair as suas penas uma a uma
E ao desenharem circuitos no leito
Embarquei para muito longe
Há muito tempo

Agora espero tímido
Nesta escuridão
Por outro voo em vão

? (7)

Enquanto o Admirado procura novos admiradores, o Admirador perde-se num só Admirado.

Conceitos (2)



(Roberto Crosio)

Conceitos



(Roberto Crosio)

Luas

À noite as luas escondem-se
por de traz dos pinheiros
eriçados contra os cães
os luares permanecem
com tal verticalidade
que nos assustam

São perversos
os olhares que admiramos
de frente na escuridão

E são tão inocentes os pinheiros
e são tão ingénuos os cães

Silêncio

No dia em que
acalmam as pedras
nos sapatos
acalmam as flores
de plástico
acalmam as campas
violadas
acalmam as carpideiras
com um suspiro
virá um silêncio
cardíaco

Dedicação

Dorme agora

Dorme agora
Que os cogumelos já se foram
Embora
A natureza não te deixe
Sobre a relva que se multiplica
Agora
Descansarás
E só Deus decidirá
O teu son(h)o

Hamlet (TAPombal)

? (6)

O Admirador encontrou o Admirado pelos corredores esquecidos e disse:
- O teu passado pode ser presente mas no futuro será história.

"Genocide in Darfur"
Award of Excellence
James Nachtwey
VII / TIME Magazine

"Primavera Precoce", de Wang

Quem disse que a pintura deve parecer-se com a realidade?
Quem o disse vê com olhos de não entendimento
Quem disse que o poema deve ter um tema?
Quem o disse perde a poesia do poema
Pintura e poesia têm o mesmo fim:
Frescura límpida, arte para além da arte
Os pardais de Bain Lun piam no papel
As flores de Zhao Chang palpitam
Porém o que são ao lado destes rolos
Pensamentos-linhas, manchas-espíritos?
Quem teria pensado que um pontinho vermelho
Provocaria o desabrochar da primavera?

Su Dong Po

Dois


Se não encontar diferenças é porque é o mesmo.

Pasteis de nata

Até que um dia concluímos
Que somos todos pasteis – de nata
Atenção gulosos – ataquem
Cozinheiros – não ponham mais lenha no forno
A revolução calórica apresenta-se a cada dentada
Saboreiem o mais que poderem
Porque vamo-nos tornar diferenciáveis
Enquanto os nossos criadores se arrependerem de tal
Pastelaria

A emancipação de cada ingrediente
Fermenta a negação da forma
Pasteis de nata
Até que um dia concluímos
Que podemos ser todos pasteis de nata
Mais dignos

? (5)

Pergunta o Admirado ao Admirador
- Porque é que não admiras?

E o Admirador responde
-A tua admiração não é virgem e é efémera.


lbutterfly.blogs.sapo.pt

Câmara de eco

Qualquer gesto depois de um silêncio
É violento
Enquanto que a palavra
É uma Deusa

Gotejar de sangue

Ping Ping Ping Ping Ping
Ping Ping Ping Ping Ping
Ping Ping Ping Ping Ping
(Pi) ______________
_________________
________________ .

Jo Stromgren Kompani "The convent"

? (4)

Enquanto o Admirador reflecte na importância da sua crítica
O Admirado luta pela sua imutabilidade

Um Homem

"Num certo país apareceu um homem com duas cabeças.
Foi considerado um monstro, e não um homem.
Noutro país apareceu um homem que estava sempre feliz.
Foi considerado um monstro, e não um homem."

(Gonçalo Tavares- O Senhor Brecht)

Menino

Passas menino
Com fragrância de bebé
Como te insinuas
Sem saberes e eu
Perco-me na luminosidade
De um desejo proibido
Como o sol me torna
Pequeno nestas alturas de
Indícios acautelados
Devido à ignorância dos
Sistemas do conhecimento
Deambulas nos meus pensamentos
Como um chorão
Obrigando-me a reconstruir-te
Do meu sono
Acordo


a administração de substâncias
alucinatórias despediu
a sensação
sem qualquer
direito de indemnização

( Foto: Inês d'Orey)

?(3)

Diz o Admirador desanimado ao Admirado:

“Corri cidades e admirações para encontrar-te”

Preguiça espartilhada

O teu voo sobre o monte alentejano provoca-me um sono diário
Uma reza dedalada sobre Deus a todas as meias-noites
Tensão
Nas nuvens reais o infinito aprisionou-me e os músculos não se abriram


(Antony and the Johnsons - I fell in love with a dead boy)

I fell in love with a dead boy

I find you with red tears in your eyes
I ask you what is your name
You offer no reply
Should I call a doctor
Before I fear you might be dead
But I just lay down beside you
And held your hand
I fell in love with you
Now you're my one, only one
'Cause all my life I've been so blue
But in that moment you fulfilled me
Now I'll tell all my friends
I fell in love with a dead boy
Now I'll tell my family
I wish you could have met him
Now I write letters to Australia
Now I throw bottles out to sea
I whisper the secret in the ground
No one's gonna take you away from me

I fell in love with a dead boy
Oh, such a beautiful boy
I fell in love with a dead boy
Oh, such a beautiful boy

Oh, such a beautiful boy
I'm asking
Are you a boy or a girl
Are you a boy or are you a girl
Are you a boy or are you a girl
Are you a boy
Are you a girl
Are you a boy
Are you a girl
Are you a boy
Are you a girl

(Antony and the Johnsons - I fell in love with a dead boy)

Réplicas

Acordo sem o teu olhar no meu corpo
Ausência de uma harmonia quase biológica
Certeza de uma complementaridade estrutural
Fecho os olhos
Deito-me na tua pele e Beijo-te

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A 15minutos do meu destino.
Antony arrasta o cenário para trás
Enquanto a ideia das lágrimas é desvanecida
pela segurança da aprendizagem
Mas ainda… o cheiro dos nossos corpos.
A cor azul dos teus olhos na minha escuridão
Tudo à volta lamenta a nossa distância